
Um vídeo de pouco mais de três minutos foi o suficiente para incendiar as redes sociais e provocar um verdadeiro terremoto moral. O autor é Arno Alcântara — empresário, investidor, fundador da Invisible MKT Digital, católico desde a infância, casado com Araceli Alcântara e pai de sete filhos. Em menos de 48 horas, seu vídeo ultrapassou 2 milhões de visualizações, acumulando milhares de comentários e compartilhamentos, e colocando seu nome entre os assuntos mais comentados das plataformas digitais.
O tema parecia inofensivo: o famoso “Dia do Cabelo Maluco”, prática comum em diversas escolas brasileiras, especialmente nas séries iniciais. Porém, a abordagem direta de Arno — considerada por alguns como “politicamente incorreta” — abriu espaço para um debate que vai muito além do penteado extravagante ou da brincadeira infantil. “O Dia do Cabelo Maluco é uma coisa gay”, afirmou. “A ideia é gay e o visual dos cabelos malucos é um visual gay.”
A declaração, embora polêmica, trouxe à tona uma inquietação crescente entre pais e educadores que se perguntam: o que, de fato, estamos ensinando às crianças quando promovemos esse tipo de evento?Será apenas uma atividade lúdica e divertida, ou há uma sutil tentativa de moldar comportamentos e percepções sobre identidade, aparência e expressividade?
Arno, natural de Joinville (SC), criado em uma família católica tradicional, representa um grupo cada vez maior de pais que enxergam nas práticas escolares contemporâneas uma infiltração silenciosa de valores desconectados das raízes cristãs e da moral familiar. Para ele, o problema não é o cabelo colorido em si, mas o simbolismo que se esconde por trás da “diversão inocente”.“A coisa fugiu do controle. A julgar pela progressão, dá pra ver que essa maluquice vai tomar a cara e o corpo inteiro das crianças, transformando-as em mini drag queens”, alertou.
Sua crítica encontra eco em autores como Roger Scruton (2015), que em Como Ser um Conservador destaca que a cultura moderna tem sido usada como ferramenta de desconstrução de valores tradicionais, sobretudo quando se apodera da educação infantil, as escolas, ao renunciarem à transmissão da herança moral e cultural, tornam-se instrumentos de engenharia social, e não de formação humana.
Essa “engenharia social”, travestida de ludicidade, se manifesta em eventos aparentemente neutros. O filósofo Antonio Gramsci (1971), em seus Cadernos do Cárcere, já apontava que a verdadeira revolução cultural não ocorre pela força, mas pela ocupação das instituições formadoras de consciência — especialmente a escola. O que antes era o espaço da instrução, torna-se o terreno da disputa de valores.
O lúdico e o simbólico: nada é neutro na formação da criança
Ao buscar a origem do evento, Arno descobriu referências ao livro Crazy Hair Day, do autor norte-americano Barney Saltzberg, publicado em 2004 — obra que, segundo ele, teria sido promovida com entusiasmo por grandes corporações, como a Starbucks, conhecida por seu engajamento em causas progressistas e de diversidade sexual. Para muitos, a coincidência é inofensiva; para outros, revela um processo mais amplo de normalização cultural que ultrapassa fronteiras e chega à sala de aula sob o selo da “inclusão” e da “criatividade”.
Mas o ponto central levantado pelo empresário não está no cabelo, e sim na inversão de prioridades dentro das escolas. Por que o “Dia do Cabelo Maluco” é celebrado com tanto empenho, enquanto datas como o “Dia do Livro Favorito”, o “Dia do Cientista Mirim” ou o “Dia da Profissão dos Sonhos” passam despercebidas?Por que as escolas, em vez de fortalecer o senso de identidade, propósito e disciplina, estão investindo tempo e energia em práticas performáticas, visuais e efêmeras?
O lúdico é, sem dúvida, parte essencial da infância. O educador Jean Piaget (1978) já afirmava que o brincar é uma forma de assimilação da realidade, um meio pelo qual a criança internaliza o mundo e desenvolve o raciocínio simbólico. Contudo, Piaget jamais defendeu que o jogo fosse separado da formação moral. Pelo contrário, advertia que toda brincadeira carrega um sentido moral e social — e por isso deve ser orientada com intencionalidade pedagógica.
Nesse mesmo sentido, o filósofo James K. A. Smith (2016), em You Are What You Love, argumenta que toda prática cultural — inclusive as rotinas escolares — forma o coração e os afetos das pessoas. “A educação não é apenas informativa; é formativa”, escreve. Em outras palavras, não basta ensinar conteúdos: é preciso estar atento a quais amores e valores estão sendo cultivados nas atividades escolares.
Do ponto de vista teológico, a crítica de Arno reflete um princípio bíblico essencial: o de que a formação das crianças deve estar ancorada na verdade e na prudência.O livro de Provérbios exorta: “Instrui o menino no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele” (Pv 22.6).Em contrapartida, a ausência de discernimento na educação gera confusão moral e espiritual. O apóstolo Paulo adverte aos crentes para não se conformarem “com o presente século” (Rm 12.2), o que implica uma resistência ativa à padronização cultural imposta pelo mundo.
O teólogo reformado Abraham Kuyper (1898) defendia que a escola deveria ser um espaço de formação integral, no qual o conhecimento, o caráter e a fé não se separam. Ele dizia:
“Não há um único centímetro em toda a existência humana sobre o qual Cristo não clame: ‘É meu!’”Essa visão reconhece que não existe neutralidade na educação. Cada prática, cada celebração, cada atividade comunica uma visão de mundo — e é justamente isso que está em jogo nas discussões sobre o “Dia do Cabelo Maluco”.
O que realmente estamos celebrando?
Pais como Arno Alcântara não estão reagindo apenas a um evento escolar, mas a um fenômeno mais amplo: o de uma geração que, em nome da tolerância e da diversidade, está renunciando à sua autoridade moral e espiritual sobre os filhos. Quando as escolas substituem valores por performances, o aprendizado perde substância e o processo educativo se transforma em um espelho das modas culturais do momento.
O “Dia do Cabelo Maluco” pode continuar existindo — e talvez até deva, se for ressignificado. O problema não está na tinta colorida ou no penteado criativo, mas na ausência de reflexão sobre o que se celebra.O que está em jogo não é apenas o cabelo, mas a formação de uma geração que precisa aprender a discernir entre o que é apenas divertido e o que, por trás da diversão, comunica um novo padrão de valores.
Parafraseando o teólogo Francis Schaeffer (1981), pode-se dizer que toda cultura é a exteriorização da religião de um povo. Isso significa que, ao celebrar algo, expressamos — consciente ou inconscientemente — o que cremos ser bom, belo e verdadeiro. Se a escola não formar esse discernimento, a cultura fará isso por ela.
No fim das contas, a provocação de Arno cumpre um papel importante: fazer com que pais, professores e gestores escolares parem de aceitar tudo passivamente em nome da inclusão e comecem a perguntar — com coragem e lucidez —:“O que estamos celebrando nas escolas, e o que isso está ensinando aos nossos filhos?”
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